Ele entrou pela primeira e \u00fanica vez no rec\u00e9m-inaugurado Maracan\u00e3. O maior g\u00eanio da hist\u00f3ria futebol brasileiro at\u00e9 ent\u00e3o vestia, naquela tarde, a camisa do Am\u00e9rica Football Club do Rio de Janeiro. Era um domingo, 4 de novembro de 1951, e Heleno de Freitas, com o jogo em andamento, est\u00e1 em transe. N\u00e3o consegue fazer nada. Todos correm e vibram no est\u00e1dio, mas o jovem mineiro de S\u00e3o Jo\u00e3o Nepomuceno, considerado craque por seus dribles, passes e gols, permanece est\u00e1tico, com o olhar perdido na grandiosidade do est\u00e1dio. O exagerado espanto tem sua raz\u00e3o: o avan\u00e7ado estado de dem\u00eancia, resultado da contamina\u00e7\u00e3o pela s\u00edfilis.<\/span><\/p>\n A triste cena pode ser revista no longa-metragem \u201cHeleno\u201d, estrelado por Rodrigo Santoro, com dire\u00e7\u00e3o de Jos\u00e9 Henrique Fonseca. A personalidade do jogador, completamente alterada pela doen\u00e7a, o transformou em uma pessoa de conv\u00edvio complexo, agressiva e est\u00fapida. Heleno de Freitas morreria em um manic\u00f4mio onde ficou internado por aproximadamente cinco anos, na cidade mineira de Barbacena. A paralisia geral e progressiva, resultante do est\u00e1gio mais devastador da s\u00edfilis, o terci\u00e1rio, seria a causadora da morte do \u00eddolo.<\/span><\/p>\n V\u00e1rias outras personalidades sucumbiram \u00e0 s\u00edfilis. Os pintores Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin e Vicent Van Gogh, os escritores Oscar Wilde, James Joyce, Edgar Allan Poe e Lord Byron. Isso para centrar apenas em personalidades proeminentes das artes e da litertura. A lista de criminosos tamb\u00e9m \u00e9 grande, incluindo Al Capone. Napole\u00e3o Bonaparte tamb\u00e9m sofria da doen\u00e7a, e h\u00e1 historiadores que levantam a hip\u00f3tese de Adolf Hitler tamb\u00e9m ter sido portador. Se as suspeitas forem comprovadas, colocariam a s\u00edfilis como causadora da dem\u00eancia que maior desastre causou na hist\u00f3ria da humanidade.<\/span><\/p>\n No momento em que se observa avan\u00e7o consider\u00e1vel no combate e controle da AIDS, mesmo que ainda distante da erradica\u00e7\u00e3o e do sonho de vida plena da sexualidade, a sociedade se depara com outra mazela: o devastador avan\u00e7o da s\u00edfilis nos \u00faltimos anos. Na verdade, o ressurgimento da s\u00edfilis \u00e9 tamb\u00e9m consequ\u00eancia de comportamentos sexuais irrespons\u00e1veis. Jovens e adultos, acreditando err\u00f4neamente que a AIDS esteja sob controle e que n\u00e3o mais mate, est\u00e3o deixando de usar a camisinha. A diminui\u00e7\u00e3o na prote\u00e7\u00e3o trouxe a c\u00ednica surpresa: a volta da s\u00edfilis ao patamar de epidemia, admitida pelo Minist\u00e9rio da Sa\u00fade em 2016.<\/span><\/p>\n Pouco noticiada<\/span><\/strong><\/p>\n Mas a irresponsabilidade individual n\u00e3o \u00e9 a \u00fanica respons\u00e1vel pelo avan\u00e7o da doen\u00e7a. A sociedade e a m\u00eddia fazem um jogo de esconde-esconde hip\u00f3crita e funesto, que cria terreno f\u00e9rtil para a epidemia. Pouco se fala da s\u00edfilis nos meios de comunica\u00e7\u00e3o e nos ambientes escolares ou familiares. Os ve\u00edculos de comunica\u00e7\u00e3o tentam, de forma t\u00edmida e envergonhada, dar um panorama do que est\u00e1 acontecendo. Por\u00e9m, o que deveria ser pauta constante, aparece como se fosse furo de reportagem. Jornais de grande circula\u00e7\u00e3o acompanharam com o m\u00e1ximo de dist\u00e2ncia a campanha que o Governo Federal fez em 2016 para conter o crescimento da doen\u00e7a. Isso para o conforto de parte da sociedade que se envergonha em tratar publicamente de temas relacionados \u00e0 sexualidade, e mais interessada em manter o status quo de desequil\u00edbrio social, ignor\u00e2ncia e atraso perene.<\/span><\/p>\n Revistas segmentadas apresentam n\u00fameros antigos como grande novidade. Recentemente, uma delas teve a coragem de colocar em sua manchete \u201cA nova cara da s\u00edfilis\u201d. Nova para quem? H\u00e1 um ano o governo federal fez campanha nacional de combate e preven\u00e7\u00e3o \u00e0 doen\u00e7a. A TV Brasil produziu um excelente mat\u00e9ria sobre o assunto, no programa Caminhos da Reportagem, na qual analisou profundamente o desenvolvimento da doen\u00e7a em v\u00e1rios lugares do pa\u00eds. Mas e depois? Por que n\u00e3o vemos mais mat\u00e9rias sobre o tema nos telejornais da emissora? E nos das outras?<\/span><\/p>\n De acordo com o Minist\u00e9rio da Sa\u00fade, de 2010 a 2016 foram registrados 227.663 casos de s\u00edfilis adquirida no Brasil (transmitida de uma pessoa para outra pela rela\u00e7\u00e3o sexual), sendo que, em 2015, o total de casos notificados foi de 65.878. Em gestantes, tamb\u00e9m em 2015, a taxa de detec\u00e7\u00e3o da s\u00edfilis foi de 11,2 casos para cada 1.000 crian\u00e7as nascidas vivas, com o total de 33.365 casos da doen\u00e7a. Em Belo Horizonte, os n\u00fameros passaram de cinco, em 2010, para mais de 2.800, em 2016. E como n\u00e3o falar incansavelmente que no ano passado mais de 7.500 pessoas sofriam de s\u00edfilis adquirida na capital mineira?<\/span><\/p>\n Em Minas Gerais, os n\u00fameros n\u00e3o s\u00e3o muito diferentes. Segundo a Secretaria de Estado de Sa\u00fade, a s\u00edfilis adquirida passou de 5.563 casos, em 2015, para 7.510, no ano passado. Entre gestantes, foram detectados 2.663 casos de s\u00edfilis, em 2015, e 2.689, em 2016. J\u00e1 a s\u00edfilis cong\u00eanita, que \u00e9 transmitida de m\u00e3e para filho, passou de 1.390, em 2015, para 1.421, em 2016. At\u00e9 10 de maio deste ano, foram registrados 1.727 novos casos de infectados pela forma adquirida, 665 em gestantes e 381 casos de infec\u00e7\u00e3o pela forma cong\u00eanita.<\/span><\/p>\n Precisa ser dito<\/span><\/strong><\/p>\n Alguns fatos explicam a explos\u00e3o dos casos de s\u00edfilis. Pode-se e deve-se dizer que a falta de abordagem respons\u00e1vel do tema por parte da m\u00eddia \u00e9 um deles. De qualquer forma, h\u00e1 outras explica\u00e7\u00f5es importantes para o entendimento dos dados. O Minist\u00e9rio da Sa\u00fade, por recomenda\u00e7\u00e3o da Organiza\u00e7\u00e3o Mundial da Sa\u00fade, come\u00e7ou em 2010 a fazer uma pesquisa mais criteriosa sobre a doen\u00e7a. At\u00e9 ent\u00e3o n\u00e3o existiam dados precisos sobre s\u00edfilis adquirida. Todavia, h\u00e1 20 anos o Minist\u00e9rio j\u00e1 sabia do avan\u00e7o paulatino da doen\u00e7a e iniciou trabalho de combate \u00e0 s\u00edfilis cong\u00eanita. Desde o ano 2000, esses casos passaram a ser notificados e foi a partir de 2005 que iniciaram os registros da doen\u00e7a em gestantes. Mas a s\u00edfilis adquirida ainda n\u00e3o era apurada. Por isso, quando os n\u00fameros se tornaram p\u00fablicos, j\u00e1 estavam altos. \u00c9 verdade que continuaram a subir porque era uma tend\u00eancia.<\/span><\/p>\n Maria Gorete dos Santos, refer\u00eancia t\u00e9cnica da Coordena\u00e7\u00e3o de Sa\u00fade Sexual \u2013 DST\/HIV e Hepatites Virais da Secretaria Municipal de Sa\u00fade, de Belo Horizonte, explica um pouco esse processo. Segundo ela, todos os esfor\u00e7os no in\u00edcio foram direcionados para a s\u00edfilis cong\u00eanita, visto que n\u00e3o era um problema s\u00f3 do Brasil, mas global, principalmente em pa\u00edses pobres. \u201cApesar de todo o esfor\u00e7o feito ao longo dos \u00faltimos 20 anos para se conhecer, tratar e abordar a s\u00edfilis na gestante e a s\u00edfilis cong\u00eanita, n\u00e3o foi notificada a s\u00edfilis adquirida. E por esse trabalho ser muito recente, ainda temos muita subnotifica\u00e7\u00e3o\u201d, explica a especialista.<\/span><\/p>\n Maria Gorete ainda aponta algumas raz\u00f5es para a configura\u00e7\u00e3o da epidemia. Junto com a diminui\u00e7\u00e3o do uso de preservativos, a vulnerabilidade social de alguns grupos est\u00e1 entre as principais causas do aumento de registros. \u201cEm rela\u00e7\u00e3o \u00e0 s\u00edfilis cong\u00eanita, a gente sabe que os casos mais graves, com os desfechos mais graves, est\u00e3o nessas popula\u00e7\u00f5es\u201d, afirma. Ela destaca ainda a dificuldade de ades\u00e3o do paciente ao tratamento. \u201cH\u00e1 um trabalho de busca ativa da Secretaria Municipal de Sa\u00fade, com as equipes de sa\u00fade da fam\u00edlia, quando se constata um caso de DST, um caso de s\u00edfilis. Essas equipes tentam fazer o acompanhamento do tratamento do paciente, mas nem sempre com sucesso\u201d, diz.<\/span><\/p>\n N\u00fameros, dados exponenciais e explica\u00e7\u00f5es t\u00e9cnicas revelam uma realidade para a qual os meios de comunica\u00e7\u00e3o e a pr\u00f3pria sociedade fecham os olhos. Mas \u00e9 fato que a s\u00edfilis \u00e9 uma realidade no Brasil e resultante de outra: a mis\u00e9ria.<\/span><\/p>\n [\/vc_column_text][\/vc_column][\/vc_row][vc_row][vc_column width=”1\/1″][vc_empty_space empty_h=”2″][vc_raw_html]JTNDZGl2JTIwY2xhc3MlM0QlMjJmYi1jb21tZW50cyUyMiUyMGRhdGEtaHJlZiUzRCUyMmh0dHAlM0ElMkYlMkZ3d3cub2JlbHRyYW5vLmNvbS5iciUyMiUyMGRhdGEtd2lkdGglM0QlMjI1MDAlMjIlMjBkYXRhLW51bXBvc3RzJTNEJTIyMyUyMiUzRSUzQyUyRmRpdiUzRQ==[\/vc_raw_html][\/vc_column][\/vc_row]<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Como se explica o avan\u00e7o de uma das mais devastadoras doen\u00e7as da hist\u00f3ria da humanidade<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":59218,"parent":0,"menu_order":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","template":"","meta":{"footnotes":""},"portfolio_category":[34,37,28,30],"class_list":["post-59208","portfolio","type-portfolio","status-publish","has-post-thumbnail","hentry","portfolio_category-destaques-home","portfolio_category-ultimas","portfolio_category-noticias","portfolio_category-reportagem"],"yoast_head":"\n![\"\"](\"http:\/\/www.obeltrano.com.br\/site\/wp-content\/uploads\/2017\/07\/39_MFP_442_sifilis.jpg\")
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